6.09.2007

Especulações para uma experiência duma segunda-feira

Uma ideia central na minha maneira de perceber a música, a pintura, a fotografia, a poesia, é a de transformação.
O autor dá-se um espaço, seja ele simples (uma única dimensão, uma curva) ou mais rico, duas dimensões - o plano ou n dimensões, consoante os casos: primeira noção.
Esse espaço é adoptado consciente ou inconscientemente, de modo deliberado e claro ou apenas adivinhado, mais ou menos obscuro, mas é ele que determina as formas que nele podem ser criadas.
O autor dá-se, procura, recolhe ou produz um material: mais ou menos fixo, aberto, (in)determinado. Em que consiste o "material" em cada disciplina artística é uma questão em si, fundamental mas insuficientemente explorada. Segunda noção.
O autor tende a formular (explícita ou implicitamente), regras de transformação e de "assemblage" (combinação? associação? montagem?) do material no espaço que pretende percorrer, ocupar, preencher, habitar. Regras de transformação: terceira noção.
Note-se desde já que as infracções a essas regras, infracções que o autor se autoriza são tão interessantes (por vezes mais) que a obediência a elas. O que não as suprime nem as torna menos operantes.

Donde: o esquema de experimentação que sugiro assenta nos elementos acima enumerados, e no "jogo" com eles.
A partir de um certo espaço, de um certo material, ambos relativamente bem definidos (mas nunca de modo exacto), trata-se de imaginar regras de transformação que possam conduzir de uma forma de partida a uma forma de chegada.
Note-se que "forma" aqui não significa "estrutura de uma peça", mas sim: "um estado sonoro produzido por um grupo de fontes sonoras". Um estado sonoro pode ser entendido como uma estrutura composta por elementos sonoros numa certa relação entre eles.
Tais regras de transformação podem ser claras, mas a sua realização pode ser (melhor: não pode deixar de ser) "fuzzy", porque os participantes estarão submetidos a todas as contigências locais (caminho adoptado espontanemente pelos outros, contigências práticas, imprevisíveis, da execução).
E porque cada um conserva a sua parte de liberdade, o que produz um grau de incerteza que faz parte do processo.
Inspiração sugerida: as imagens de Escher, um experimentador das transformações das formas, fascinado nomeadamente pela divisão periódica do plano, o que, meditado em termos musicais por quem sabe, poderia muito bem ser... uma composição. Talvez melhor dito: uma famíla de composições possíveis explorando as transformações possíveis de um dado material num certo espaço.
Deste modo regressando ao ponto de partida, termino por hoje...
Vejam estas imagens

http://www.control.auc.dk/~obm/Hobby/Escher_obm/Escher_birds.htm

Ou para já esta, transformação do Dia em Noite ou da Noite em Dia, consoante a direcção do percurso :

Acho particularmente interessante observar, para além das transformações na dimensão horizontal, as que se produzem no eixo vertical: como um "campo" se torna "pássaro". A zona central, onde a ambivalência das formas nas duas dimensões atinge o máximo é certamente uma das mais interessantes: uma certa indiferenciação que contém em potencial os quatro estados diferenciados.

E outras imagens que encontrarão por exemplo em www.unesp.br/~jroberto/escher.htm
JRdS

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